Carta Aberta ao Corpo Social UFRJ

Venho me dirigir ao Corpo Social da UFRJ e, naturalmente, aos integrantes da Faculdade Nacional de Direito, em especial aos seus jovens universitários, alunas e alunos que encontram na figura da Justiça a representação simbólica maior da graduação que escolheram abraçar. Também venho cooperar e oferecer solidariedade perante aqueles que estão diretamente no campo de batalha contra o Coronavírus, um inimigo comum que está causando transtorno e impondo dor.

Neste delicado momento de pandemia pelo qual passam o Brasil e outras centenas de nações pelo mundo, é hora de nos questionarmos a respeito do papel da Justiça entre os povos. Não me refiro à Justiça como sinônimo de poder judiciário. Refiro-me à Justiça nas sementinhas do vir a ser, como diria Drummond. É hora de refletirmos sobre a importância, atual e futura, da solidariedade social, do apoio mútuo, de tudo aquilo que constitui a noção mais elementar de humanidade. O isolamento arrogante, o trato mesquinho das grandes questões que nos afligem, o individualismo, nada disso constitui a noção de humanidade saudável, mas sim de puro egoísmo irresponsável.

Está claro, na momentânea ordem viral, que os povos não encontrarão futuro próspero e justo sem valores que promovam a dignidade plena das Pessoas. É preciso pôr a salvo da ganância a natureza em suas multidimensionalidades; é preciso validar os mecanismos capazes de entregar proteção aos seres humanos mais vulneráveis, sejam os economicamente ativos, sejam os aposentados, bem como expandir toda infraestrutura apta ao enfrentamento de crises que expõem nossas profundas fragilidades naturais. Em outras palavras, é preciso retomar o sentimento de responsabilidade sobre o caráter imprescindível de tudo aquilo que se chama bem coletivo.

Dentro deste contexto de preocupação com o bem coletivo, é fundamental a proteção do saber, do conhecimento científico; é fundamental o respeito aos pesquisadores, aos cientistas; sem a curiosidade, sem a criatividade e sem incentivos às mentes dedicadas às grandes causas que desafiam a nossa trajetória sobre o planeta, estaremos todos fadados ao encolhimento. A Universidade Pública brasileira, laica, gratuita e inclusiva e sobretudo de qualidade, é o lugar que se combate o pensamento dogmático; é o espaço em que não é preciso arma, toga, nem fronteiras para proteger a vida, fazer Justiça e produzir conhecimento.

Sou professor de Direito Constitucional. Sou forjado na tradição dos Direitos Humanos e da democracia, valores caros a um notável ex-aluno desta casa, o eminente Professor Celso de Albuquerque Mello. Jurando respeitar esses valores, fui eleito para administrar e, nas horas delicadas, para representar um universo plural de pessoas. Tenho certeza de que o sentimento geral do corpo social da FND é de profundo respeito e admiração por todos os profissionais de saúde que hoje se dedicam, muitos nos hospitais universitários, à proteção daqueles que se encontram em risco de morte.

É em respeito a essa luta e aos sentimentos compartilhados de solidariedade que coloco a infraestrutura da FND à disposição integral da UFRJ para uso irrestrito na luta pela preservação da vida. A verdadeira Justiça ocorre quando saúde e educação estão de mãos dadas pelo direito à vida.

Por fim, um momento de volta ao passado olhando para o futuro. Terça-feira celebraremos mais um 24 de março. A FND enfrentava o seu maior desafio neste dia, dezesseis anos atrás. Quis o destino, porém, que esta honrosa Instituição de Ensino jurídico superasse, com ampla união, os seus desafios mais delicados. Agora é a hora de unir as instituições e os saberes para o povo brasileiro superar o desafio de uma pandemia igualmente perversa. Das duas experiências, passada e presente, o que podemos tirar de lição é que uma história de êxito só pode ser escrita a várias mãos.


Carlos Bolonha
Diretor da Faculdade Nacional de Direito